Conciliação

Ontem, (21.09.2021), foi um dia duro. Mesmo difícil.

Um daqueles dias que nos ficam marcados na memória, que sabemos que terão consequências na nossa vida e nos quais passivamente vemos o desenrolar dos acontecimentos, sem nada podermos fazer.

Há uns meses pedi uma adaptação do horário no meu trabalho. Disseram-me que não. Fiz uma contraproposta. Disseram-me que não outra vez, sem nunca apresentarem argumentos válidos, sem nunca justificarem de forma consistente e assertiva o porquê de tal inflexibilidade.

Quase 10 anos numa empresa, onde já tinham demonstrado antes, que os direitos dos trabalhadores não são uma prioridade. Levantaram a sobrancelha à licença sem vencimento que pedi depois da licença de maternidade, mas aceitaram porque a lei assim o diz. Quando voltei, seis meses depois, o meu posto de trabalho que estava garantido, foi mudado para outro departamento. No meu lugar puseram um homem. 

Aceitei sem reclamar, visto que por um lado até calhava bem. Transferiram-me para um departamento com muito menos trabalho, menos destaque dentro da empresa e menos responsabilidade. Engoli o sapo e pensei que agora com um filho, tudo o que eu precisava era ter dias mais leves no trabalho.

Mas quando tive oportunidade, comentei com o meu chefe, que a única resposta que me deu foi o silencio.

Agora, devido à intransigente rejeição de todas as minhas propostas para adaptação de horário, e depois de consultar um advogado laboral, decidi seguir com um processo judicial. Já que não conseguimos chegar a um acordo, será um juiz a decidir o que vai acontecer.

Ontem foi o julgamento. Ontem foi o dia em que levei a empresa onde trabalho há quase 10 anos a tribunal, para pedir uma conciliação da vida laboral com a vida familiar, mas sem saber bem que repercussões vai ter tudo isto na minha vida real.

O Tom tem dois anos e conseguiu um lugar numa creche pública. As creches públicas aqui em Barcelona são do melhor que há. As privadas são normalmente apartamentos adaptados e as públicas são locais construídos para serem escolas. As mais recentes (como é a do Tom), são inspiradas nas teorias de Montessori e têm condições excecionais e uma metodologia de jogo livre e respeito pela criança. 

Funcionam de uma forma muito bem pensada, porque o acesso é feito por sorteio aleatório, permitindo a qualquer pessoa candidatar-se; o que difere é o valor mensal que se paga e que é definido de acordo com o IRS dos pais. Ou seja, quem recebe mais paga mais, e quem recebe menos paga menos. É bastante justo.

Nós já fomos a sorteio duas vezes e das duas vezes não conseguimos lugar. Mas tivemos a sorte de conseguir inscrever o Tom num projeto experimental da Câmara Municipal de Barcelona, no qual juntam na mesma aula, apenas por meio periodo, crianças entre os um e os três anos.

Por isso, mesmo sem entrar por sorteio, o Tom conseguiu lugar numa creche pública, mas só das 9h às 13h. Como da parte da tarde não tem escola, tem que ficar em casa; e este é o principal motivo para justificar o meu pedido de flexibilização de horário.

Solicitei trabalhar 4 horas no escritório no período da manhã e 4 horas em casa no período da tarde. Este pedido nao afecta em absolutamente nada a minha jornada laboral, apenas muda a localização de onde trabalho pelas tardes.

A empresa não tinha uma argumentação plausível, visto que o meu trabalho pode ser feito com um computador desde qualquer parte do mundo, desde que tenha uma ligação à internet. Na verdade, estive a fazê-lo neste último ano de pandemia, desde casa aqui em Barcelona e até desde casa dos meus pais em Lisboa.

Mas a empresa alegou que a minha ausência iria afectar a sua organização estrutural, sem nunca especificar de que forma. Alegaram também que acham que o cuidado de um filho de dois anos não é compatível com o meu trabalho, que alguma coisa ficará mal feita. Alegaram que como ganho X e tive até a possibilidade de pagar um advogado para estar ali comigo, também tenho a possibilidade de pôr o meu filho numa creche privada todo o dia. Alegaram que como vivo a 2kms do trabalho e que não perco tempo na deslocação, posso estar com o meu filho rapidamente; e por fim, alegaram que o meu horário não é até às 11 da noite, que como saio às 5 da tarde, tenho bastante tempo para estar com o meu filho depois de trabalhar.

– Como se a empresa tivesse algo que dizer sobre a escola que escolho para o meu filho, sobre o que faço com o meu dinheiro, sobre a gestão do meu tempo e da minha família. Se algo falhar no meu trabalho, a empresa deve ter mecanismos internos para fazer uma avaliação a nível profissional. Mas a empresa não tem rigorosamente nada a ver com a forma como eu organizo a minha vida pessoal. Mas isto é o que penso eu e o meu advogado… o que pensa o juiz não faço ideia….

O julgamento celebrou-se em catalão, (por iniciativa do advogado da empresa), língua que percebo claramente, mas que não domino tão bem como o castelhano. Estive quatro horas no tribunal social de Barcelona e cerca de uma hora dentro daquela sala de audiências; literalmente a ver a minha vida em suspenso, a desconstruir os últimos 10 anos e a imaginar vários cenários possíveis. Tive momentos de muitos nervos, momentos de tristeza e frustração em que contive as lagrimas e momentos de profunda tranquilidade em que rocei a apatia. 

Ontem naquele tribunal, o patriarcado andava de mãos dadas com o capitalismo numa brincadeira de marionetas machistas  e dominadoras, com quem trabalhei amigavelmente nos últimos 10 anos. Tenho esperança que a justiça não entre neste jogo perverso de lobos em pele de cordeiro e que quando saia a sentença, eu não tenha que fazer ainda mais malabarismos para conseguir criar o meu filho.

*28/09/2021 – Sentença declarada hoje: 

“… declaro el derecho de la actora a adaptar su jornada en el sentido de prestar servicios en horario de 09:00 a 12:45 horas (trabajo presencial en oficina); hora de comida de 12:45 a 13:45 horas y de 13:45 a 18:00 horas desde su domicilio, mediante trabajo a distancia, todo ello con efectos del dictado de esta sentencia y con el límite temporal fijado en el artículo 34.8 del Estatuto de los Trabajadores. Condeno a la empresa demandada a estar y pasar por tal declaración…”. 

Ligou-me o advogado com boas noticias. Afinal a justiça não deu ouvidos ao capitalismo e mandou o patriarcado à merda! O juiz deu razão à conciliação, ganhei eu, mas ganhou principalmente o meu pequeno Tom.

Desta desagradável experiência retiro algumas lições, uma delas é que as empresas não estão habituadas a que os trabalhadores reivindiquem os seus direitos, não estão habituadas a serem questionadas ou confrontadas. Toda esta história saiu-me dos nervos e do bolso, mas defendo que se não lutamos pelo que acreditamos, pelo que achamos correto e pelo que temos direito; então mais cedo ou mais tarde seremos como “eles”, coniventes com um sistema desigual e injusto para com as mulheres.

8 opiniões sobre “Conciliação

  1. Nem quero imaginar o que passas-te, mas Parabéns! Orgulho por ti por teres levantado a voz contra esses ditadorezinhos de meia-tijela!!!! Mais fossem as mulheres a fazer o mesmo!

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  2. Olá Daniela parabéns pela luta que tens travado para adquirir os teus direitos e conseguiste ,a justiça ainda funciona , tenho, orgulho pela mãe que és e esposa , porque a tua luta , é da família ,eu como tua sogra fiquei feliz por os três , tu és , lutadora , estou muito feliz por vocês , força beijinhos,, 😘😘😘

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  3. Parabéns,Daniela .Há alturas na vida ‘ em que uma MULHER ,no caso,tem que ter uns “tomates” do tamanho de … melancias !!!Foste (és ! )valente !mas,tem no futuro, atenção às possíveis e muitas vezes camufladas “armadilhas” que o sistema ,de que falas ,te vai …preparar…Bjinhos ,muita saúde e toda a sorte do mundo para continuares a educar o teu Tomás.Abraço para todos .

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  4. Parabéns! Sei tão bem o que é ficar a ver os outros decidirem por nós. Tive um processo disciplinar por faltar mais 7 dias do que lei prevê por assistência ao meu filho. Perdi. Na altura não tinha forças para enfrentar uma luta. Gostava que tive ser sido de outra maneira. Mas foi como foi. Fico mesmo feliz por teres conseguido 💪

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